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Populismo penal e organizações criminosas

A recente operação policial na cidade do Rio de Janeiro reacende o debate sobre o crime organizado no país. Muitos aspectos do fato podem ser objeto de análise, porém, o que impressiona é a repetição da clássica fórmula de se proporem, de plano, alterações legislativas com o fim de aumentar penas e retirar direitos no processo penal, bem assim na execução penal.


O problema das organizações criminosas não existiria se houvesse legislação penal mais dura e menos leniência do judiciário com os criminosos, bradam parlamentares, administradores públicos e jornalistas.


Curioso observar o desprezo que a sociedade brasileira mostra pelos penalistas. Se a questão da inflação, da taxa de juros e do gasto público se vê tratada por economistas, os quais se subdividem em escolas de economia e se reconhecem, em certa medida, nesta ou naquela ideologia, quando se fala de direito e processo penal o que menos importa surge ouvir os especialistas.


Por óbvio, não se faz menção às entrevistas de oportunidade que defendem instituições, atos e carreiras individuais, mas não oferecem solução sistêmica para tema de tal gravidade.


A leitura das notícias leva a constatar que a bandeira do populismo penal dá palco a deputados federais e senadores da República que, aproveitam do acontecimento trágico com repercussão midiática, para encontrar na urgência a chance dos discursos da obviedade sobre a reforma da legislação vigente.


Não bastasse, a insegurança e o medo da população propiciam o jogo de empurra entre governo federal e estadual, cujas atribuições legais acabam mascaradas pela desídia de um e outro. Os discursos mentem e desmentem, de modo a confundir o leitor quanto a quem deveria o que, ou quanto a quem se omitiu do respectivo dever legal. E, ao final, voilà: unem-se autoridades federais e estaduais no projeto comum de realizar algo novo e eficaz, sem explicar muito bem as proposições e quais resultados hão de encontrar.


Não sejamos inocentes com a política. Sabemos a utilidade da mentira para os homens públicos, ainda mais quando se avizinham eleições. O ponto não está nesse conhecido teatro dos governos e dos congressistas.


Espanta o silêncio de acadêmicos do direito penal, institutos, associações, entidades de advogados que se limitam a reiterar a violação de direitos individuais e a clamar pela apuração de responsabilidades.


Surge essencial ser esclarecido à sociedade que crime organizado só se controla mediante política pública de médio e longo prazo - igualmente se observa com o fenômeno da inflação.


Cuida-se de problema social de determinado momento histórico que começa a ser compreendido quando se identificam quais bens e serviços ilícitos enriquecem as organizações criminosas e que perpassa por compreender quais relações estas mantêm com o Estado, bem assim o quanto a inercia estatal lhes permite o crescimento econômico e o poderio.

Não se criam políticas criminais sem estatísticas, mapas e dados que ofereçam o quadro atual das atividades do crime organizado no Brasil, ou sem compreender quais as interações das organizações criminosas nacionais com as estrangeiras.


Restringir a proposição da política pública, voltada à persecução penal dos integrantes do crime organizado e à redução dos patrimônios dessas associações ilícitas de estrutura empresarial, à reforma das leis penais envergonha quem conhece o mínimo do assunto.


Mas esta inibição intelectual não resolve. É necessário influir nos processos legislativos, criticar governos por meio de propostas objetivas, bem como cobrar dos candidatos nas próximas eleições o que propõem para perseguir o crime organizado e o quanto vão investir em segurança pública.


Se sabemos escrutinar políticas econômicas e reconhecemos a importância desse, ou daquele profissional, para o Ministério da Economia, ou para as Secretarias de Fazenda, devemos nos educar a perguntar o que, quando, como e quem se apresenta apto a elaborar plano nacional (ou local) de enfrentamento estatal às organizações criminais.


A quantidade de mortes, o número de armas de alta letalidade e as características de guerrilha urbana da última operação policial alertam para a dimensão real das organizações criminosas.


Eis o assunto a ser levado a sério pelos juristas, que desempenham papel de influenciar a sociedade e o leitor inculto quanto às políticas criminais possíveis.


O resto é mesmice, ou mera contemplação do populismo penal em voga nos últimos 40 anos.


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