top of page

Descaminho: a inconstitucionalidade da causa especial de aumento de pena

O Direito Penal vincula-se à Constituição da República. Em primeiro plano, vale assentar que o tipo penal deve acatar ao princípio da legalidade estrita (artigo 5, XXXIX, da CR, c.c. artigo 1º do CP).


Isso significa compreender que o tipo, em toda a estrutura, precisa descrever fato ínsito a valor jurídico que justifique a pena cominada. Não se presumem comportamento proibido e bem jurídico. A conduta há de ser cingida em elementos, objetivos e subjetivos, que possam ser identificados no exame da situação fática concreta. Da mesma forma, o tipo espelha o sentido da ação típica, o que exige se reconhecer o valor jurídico-penal protegido pelo legislador.

No caso do parágrafo 3º, do tipo do descaminho (artigo 334, do CP), vê-se a ausência de definição do comportamento que confira alicerce jurídico a se dobrar a pena cominada. Quem lê o tipo incriminador não entende a justificação pela qual o transporte, meio inerente ao cometimento do crime, poderia significar tal grave consequência penal. Essa lacuna do texto na infração penal de descaminho viola a legalidade pela falta de explicitação de qual seria a causa de o transporte aéreo tornar tão mais grave a infração penal.


A simples menção ao meio de transporte — seja marítimo ou aéreo — por si só não traz razão clara para tal aumento de pena. Até mesmo porque inexiste lógica em se duplicar a pena apenas em virtude de a mercadoria ter vindo por via aérea.

Note-se que Assis Toledo, com muita sagacidade, fez a distinção — não escrita na lei penal — entre a mercadoria trazida por aeronave regular daquela que entra em território nacional sem respeitar o espaço aéreo, para o fim de evitar o pagamento do tributo devido (Toledo, Francisco de Assis. "Enciclopédia Saraiva do Direito". São Paulo: 1979, v. 24, p 1-11, verbete descaminho). Em palavras simples, o jurista trouxe a distinção entre o avião de carreira daquele clandestino usado a serviço do crime.


Por óbvio, tão somente na segunda hipótese do voo ilegal, em aeronave usada para a consumação do crime, se teria a possibilidade de punir com a causa de aumento, numa interpretação teleológica do tipo em questão.


Todavia, dada a ausência de descrição legal, também não se consegue aquilatar qual bem jurídico seria afetado por meio do agir típico, quando se dá o descaminho mediante transporte aéreo corriqueiro e legítimo, o qual se submete à fiscalização aduaneira no país.


Não há conjectura que autorize se reconhecer na Lei Maior valor jurídico-penal a embasar consequência tão severa na pena, qual seja, a duplicação do tempo da sanção criminal. Aqui se observa a violação ao princípio da ofensividade no Direito Penal, pois o legislador impôs duplicar a pena graças a meio essencial à conduta típica, o que impede reconhecer qual suporte jurídico-constitucional daria subsídio a tal severidade no castigo. Trilha-se próximo, ainda, ao bis in idem.


Além disso, não parece corresponder à proporcionalidade, intrínseca à individualização da pena, poder se dobrar uma pena de prisão (artigos 1º, inciso III; e 5º, caput e inciso I, da CR). Causas de aumento devem respeitar razão matemática que não viole a medida do castigo. Logo, a duplicação na sanção do descaminho não pode acontecer também por essa manifesta inconstitucionalidade.


Note-se que a lacuna na legalidade do parágrafo 3º do artigo 334 do Código Penal e a ausência de bem jurídico identificável levam as sentenças criminais a tratarem o meio transporte aéreo — ainda que em voo legal e usual — como suficiente para dobrar a pena, sem motivação judicial que permita, de forma mínima, compreender os fundamentos de assim decidir (artigo 93, IX, da CR, c.c. artigo 315 do CPP).


Essas observações levam à conclusão de que a mencionada causa de aumento do descaminho se exibe inconstitucional e a respectiva aplicação judicial jamais deveria ocorrer na melhor interpretação do Direito pátrio.

Commentaires


Les commentaires sur ce post ne sont plus acceptés. Contactez le propriétaire pour plus d'informations.
bottom of page