A advocacia nos tribunais estaduais e nos tribunais regionais federais mostra-se uma das atividades mais difíceis, dentre as exercidas pelo defensor criminal. No segundo grau de jurisdição, apreciam-se o fato e as provas a fundo. Cuida-se do momento onde se pode manter efetiva contrariedade à sentença. Também, nesses tribunais, tutela-se a liberdade com maior rapidez frente a possíveis arbitrariedades perpetradas nas duas primeiras fases da persecução criminal, por meio do julgamento de mandados de segurança e habeas corpus.
Em gênero, tais cortes apresentam importante contribuição para o direito pátrio, porque se dedicam, de modo intenso, à jurisdição penal. Daí o orgulho que ostentam os desembargadores de interpretações e aplicações de lei, graças às influencias liberais da Carta de 1988, que inovaram diplomas legais carcomidos pelo tempo.
Logo, é preciso conhecer as decisões da Câmara e da Turma, bem como a posição majoritária do próprio tribunal para se preparar para um julgamento. Necessário estudar as tendências de cada um dos magistrados, lendo acórdãos e votos vencidos - estes últimos, precioso material para análise dos debates e exame de divergências.
A esse apanhado de arestos do segundo grau se soma a compreensão quanto ao entendimento do Superior Tribunal de Justiça e do Supremo Tribunal Federal sobre as questões jurídicas trazidas à apreciação dos desembargadores. Quer dizer, antes de adotar, ou contrariar a jurisprudência, se tem de reconhecê-la, vedando-se usar o vocábulo sem a certeza que se está de fronte de verdadeira conformação firme de decisões judiciais, reiteradas e constantes, sobre determinada matéria.
Feito esse aprofundado estudo, entram a sensibilidade e a habilidade do defensor, talentos que se comparam à mão do bom cozinheiro que dá ao prato seu toque de sabor, apto a superar até mesmo as deficiências da receita culinária. Alguns poucos fizeram fama nas cortes pela maestria de falar, ou pelo poder de síntese e precisão nos recursos. Nomes que ficaram pelo respeito com que os julgadores liam as peças e os ouviam da tribuna. No extinto Tribunal de Alçada Criminal do Estado de São Paulo, difícil esquecer o prestígio que gozaram, dentre outros, Rogério Lauria Tucci e Raimundo Paschoal Barbosa.
Hoje, a quantidade de processos judiciais e o excesso de trabalho a que se submetem os magistrados levaram a dificultar ainda mais o trabalho do advogado, porque nem todos os casos merecem sustentação oral, nem sempre cabe despachar pessoalmente. Primeiro, há de saber quem julga, o que pensa e como funciona o gabinete. Longe de se jogar a toalha diante de equívocos em direito e processo penal, cumpre desenvolver estratégia para mostrar o desacerto técnico-jurídico, a peculiaridade do caso, a importância de se repensar um ponto, ou, sem maior esperança, limitar o escopo a começar a preparar o recurso para subir à Brasília. Esse o ofício do defensor no Tribunal.
Não parece razoável, no entanto, aceitar algumas práticas que se têm visto em alguns poucos julgamentos. Agora, vez ou outra, não se autoriza o adiamento para sustentação oral por uma sessão, pelo defensor constituído, ou se querem justificativas para deferimento que a lei não dispõe. Contraria-se a norma do artigo 565, do Código de Processo Civil, e preceitos do Regimento Interno de Tribunal (v.g., art. 143, do RITJESP), não obstante o advogado faça jus a tal singelo direito.
Também, no dia da sessão, não se respeita a ordem legal de julgamentos, conforme determinam os Regimentos Internos. Como sabido, processos-crime com réus presos e habeas corpus exigem prioridade (e. g., art. 165, do RITRF 3), todavia, cada Turma adota um procedimento, sem considerar o plano normativo. Às vezes, o presidente da Câmara toma como critério a conveniência da leitura dos autos pelo Procurador, presente na sessão de julgamento. Quer dizer, a par da duvidosa constitucionalidade do representante do Ministério Público falar depois da defesa, ainda, se almeja deixar ao seu talante a indicação de quais recursos, ou writs hão de ser julgados primeiro. Tudo isso para ele reiterar as razões do parecer, na boa maioria das vezes.
Outra novidade surge impedir o advogado de usar a palavra para esclarecer questão de fato. Desembargadores, ao presidirem julgamentos, pretendem justificar a ilegalidade, com a simples observação que, realizada a sustentação oral, não haveria motivo para devolver oportunidade de se manifestar ao defensor. Tornam, pois, letra morta o artigo 7º, inciso X, Lei 8.906/94.
E, se o advogado quiser protestar frente a tal arbítrio, não lhe reconhecem o direito de reclamar “contra inobservância a preceito de lei, regulamento, ou regimento” (art. 7º, XI, da Lei 8.906/94). Em palavras simples, sobra peticionar, descrevendo o fato, ou obter as notas taquigráficas (se houver), para levar a questão de desrespeito a dispositivo de lei federal ao Superior Tribunal de Justiça.
Ainda, diante do pedido de vista de um dos integrantes da turma julgadora, há presidentes de sessão de julgamento que coletam, antecipadamente, o voto dos demais, sem considerar a ordem dos julgadores, o que acaba por desprestigiar aquele que deseja examinar os autos com maior cuidado e por desestimular novas vistas dos colegas. A pressa no desincumbir-se da tarefa jurisdicional sobrepõe-se às regras jurídicas atinentes ao juiz natural e ao devido processo legal.
Por fim, algo grave ocorre quando a divergência surge da boca de um juiz de primeiro grau, convocado para o Tribunal. Existem desembargadores que chamam atenção do novato, como se no julgamento o voto dele não valesse igualmente, como se houvesse um crime de lesa-majestade ao discordar dos mais antigos da Turma.
Essas raras situações indicam manifestas violações ao exercício do direito de defesa e patente desrespeito à legalidade estrita. Não há interpretação jurídica que autorize tais barbáries jurisdicionais, tanto é verdade que não se ouve, ou lê, motivação a querer embasar tais atos de arbítrio.
O que preocupa um defensor, o qual isolado pouca força tem, é a omissão da Ordem dos Advogados do Brasil na proteção desses direitos inerentes à plenitude da defesa. Faz-se necessário a adoção de postura institucional contrária às más práticas que se dão em algumas câmaras e turmas de tribunais da federação. Afinal, todos nós sabemos que a reiteração desses comportamentos pode disseminar - quiçá, sedimentar - a perda de direitos essenciais para aqueles que digladiam com as suas togas pelas cortes deste Brasil para ver reconhecidas a justiça e a inocência.
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