O conjunto da extensa obra de Nilo Batista representa o que há de melhor para quem almeja aprender direito penal a contar do humanismo.
Encerra-se o ano. Sobraram adversidades e conflitos na política nacional. Perpetuou-se a guerra na Europa, sem maior atenção dos espectadores internacionais. Ocorreram violações a direitos individuais no exterior e no país. Aqui, poucos foram os protetores de direitos humanos na jurisdição. Raras vezes se observou Supremo Tribunal Federal tão hesitante em resguardar a inocência e o devido processo penal.
Pessimismo para 2023? Jamais!
Guardo método de convicção na liberdade e na profissão de advogado: inspiro-me nos melhores defensores, com mais cultura e experiência. Assim, quero terminar o bicentenário da independência - mal comemorado, aliás - com minha homenagem a Nilo Batista.
Em toda atividade acadêmica, ele não poupou páginas ao leitor atento quanto às aflições que o Direito Penal carrega. Sempre enxergou a rigidez da legalidade e a subjetividade da responsabilidade penal como pilares do pensamento voltado a preservar a dignidade humana como valor jurídico fundamental (art. 1º, III, da CR).
No princípio da humanidade alicerçou a perspectiva correta de tratar o inocente, como sujeito de direitos, o qual digladia com o poder do Estado pela manutenção da liberdade (art. 5º, I, da CR). Deu ao investigado, ao réu e ao condenado o status de indivíduo - portanto, ser único - que merece o filtro do Direito Penal para ser julgado de forma justa e racional.
A lei penal, na estreiteza das palavras e do sentido do tipo legal, impede o arbítrio desde o início da persecução penal (art. 5º, XXXIX, da CR, c.c. art. 1º, do CP). Daí, ele afirmar a essência do Direito pPenal como limitação ao poder-dever de punir. À vista disso, concebe o Estado de Direito como instrumento dinâmico que compõe projeto de sociedade de reconhecer cada vez mais liberdades às pessoas (art. 1º, da CR), mesmo no plano do sistema punitivo. Logo, desaprova a pena de prisão como fim último.
O tipo penal descreve consequência jurídica frente ao todo do ilícito, a ser ponderada no âmbito do ius puniendi com olhos em alguém que transgrediu a previsão legal, sem razão que justifique. Com isso, expande o exame do tipo para abarcar visão social que leva à amplitude de compreensão quanto ao comportamento ilícito, inserido no ambiente capitalista das contingências que ele tanto repugna.
Prepondera a autodeterminação do indivíduo, a ser perquirida da causação ao resultado típico, como fundamento de Direito Penal da culpa que se importa em destrinchar o fato no mundo fenomênico (art. 13, do CP) e em compreender o plano subjetivo da conduta humana (art. 18, do CP).
Repita-se, ele compreende o injusto penal como obstáculo à punição, a serviço do juiz criminal que controla os órgãos persecutórios, muitas vezes, mais preocupados em respostas sociais eficientes do que com a destino do indivíduo - por premissa, inocente a ser protegido, consoante determinação constitucional (art. 5º, LVII, da CR).
As importantes análises que faz dos institutos do Direito Penal combinam, com frequência, a preocupação com a sociedade, a economia e a história. Neste ponto, entende-se o correto critério de aproximar direito penal, política criminal e criminologia, como bases do seu pensar crítico.
O conjunto da extensa obra de Nilo Batista representa o que há de melhor para quem almeja aprender direito penal a contar do humanismo - humanismo este que transcende o viés eurocêntrico, ao mergulhar nas nossas raízes desde o período colonial. Vejam-se seus estudos, por exemplo, sobre o açoite na legislação penal do Império.
O vasto conhecimento literário compõe a figura ímpar, que harmoniza voz rouca e suave, sempre amável quando encontra o interlocutor. Posso arriscar dizer que, dentre as minhas conhecidas, se trata da pessoa que mais entende do ser humano. Apresenta-se o mestre para aconselhar quando se está a passar por problemas. Bem eu sei, o que reconheço com gratidão. Diz tudo com simplicidade, colocando-se na posição do angustiado, para lhe ofertar a melhor solução diante da dificuldade pessoal, ou existencial. É o amigo, por excelência.
Ao ver Nilo Batista, em pleno vigor e entusiasmo na resistência pela liberdade, só posso me renovar. No ano entrante, todos os admiradores de suas reflexões, aulas e textos hão de se unir, ainda mais, para juntos irmos às trincheiras da preservação dos direitos individuais.
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