Não se mostram poucos os que acreditam que a venda e compra de obras de arte seria meio eficiente para dissimular a origem criminosa de bens, obtidos mediante a prática anterior de infração penal. Faz anos que se fala da lavagem de dinheiro, perpetrada pela alienação ou aquisição de pinturas, esculturas e antiguidades, entre outros objetos artísticos importantes.
A razão para a escolha do bem, de valor artístico e econômico, para tal fim ilícito estaria na dificuldade de fixação do preço, o qual depende de variantes diversas, nem sempre tão claras para os neófitos quanto a essa espécie de negociação. Há quem assente a facilidade de transporte do objeto como causa do interesse dos lavadores.
Embora, desde a Convenção de Viena de 1988, o mercado de arte seja foco de atenção das autoridades administrativas dos órgãos de controle da lavagem de dinheiro, acabou se formando uma perspectiva generalizada que em nada contribui com a evolução dessa atividade no Brasil.
Na realidade, outros problemas jurídicos dos comerciantes de arte e antiguidades acabam por prejudicar a imagem dessa área de mercancia. Por incrível que possa parecer, o primeiro ponto está na informalidade com que se dão os negócios. Poucas galerias possuem contratos escritos, com a declaração clara de obrigações e responsabilidades. A procedência da obra de arte acaba sendo escondida do adquirente do bem, seja para o vendedor não mostrar de quem e por quanto o comprou, seja pela refração desses mercantes ao recolhimento de tributos. O reconhecimento do destinatário final da obra também foge à atenção dos negociantes de arte, num ambiente de muitos intermediários.
O modo rudimentar dessas relações jurídicas não significa, per se, a ocorrência do crime de lavagem de dinheiro. O delito, em questão, depende sempre de atos inequívocos, voltados a esconder a procedência criminosa do bem, produto ou proveito de infração penal.
Devem ser reconhecidas as condutas típicas, destinadas a escamotear o conhecimento quanto à procedência do dinheiro utilizado na aquisição do objeto de arte. Ou, ainda, é preciso identificar na variação entre preços de compra e subsequente venda do bem a ação típica de disfarçar a origem ilegítima do patrimônio. Sem falar as hipóteses de falsificação, material e ideológica, as quais permitem ocultar a cadeia dominial do bem.
Note-se que o fato de o criminoso adquirir uma tela de artista famoso, como se viram em alguns casos da denominada operação "lava jato", também não pode ser interpretado, de modo automático, como se lavagem de dinheiro fosse. A mera aquisição de coisa de valor — mesmo que com ilícito fiscal — não implica se presumir a perpetuação do crime sob exame.
O valioso quadro, óleo sobre tela, pode ser proveito da infração penal antecedente, ao ser adquirido com os valores oriundos de tal crime, mas, enquanto não realizados negócio jurídico posterior e artifícios no plano fiscal, continua sendo apenas resultado econômico indireto da referida infração penal.
Como sabido, podem-se decretar sequestro e arresto cautelares sobre referidos bens (artigos 125 e 137, do CPP), todavia, a razão factual para as ordens judiciais encontra-se no nexo causal de tais bens com o crime antecedente, ou o interesse na futura reparação civil, o que não se confunde, de maneira apriorística, com as medidas assecuratórias tocantes à lavagem de capitais (artigo 4º, da Lei 9.613/98).
Isso não quer dizer que os descuidos na venda e compra de obra de arte encontram-se isentos de responsabilidade jurídica, ou que aspectos acima indicados não configurem possíveis indícios do cometimento do crime de lavagem de dinheiro. Conjunto de dados objetivos, concatenados, podem permitir se concluir pela autoria do tipo penal sob exame, o que, no mais das vezes, tende a tornar o comerciante de arte réu em ação penal pública.
Note-se, nesse sentido, que a Circular do Banco Central nº 4001, de 29 de janeiro de 2020, caracteriza o depósito em espécie em conta corrente de comerciante de arte como operação suspeita, a ser observada pelas instituições financeiras, para fins de monitoramento e seleção, nos termos da Circular do Banco Central nº 3.978, de 23 de janeiro de 2020.
Também aqueles que atuam no mercado de arte não podem olvidar os deveres administrativos impostos a eles (artigo 9º, XI, da Lei 9.613/98) de identificação de clientes, registro de negócios, controles internos e cadastro (artigo 10, da Lei 9.613/98), bem assim de atenção na comunicação de operações que possam vir a configurar hipótese de lavagem de dinheiro ao Conselho de Controle de Atividades Financeiras (Coaf) (artigo 11, da Lei 9.613/98).
A Portaria 396/2016 do Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan) indica a relevância do Cadastro Nacional de Negociantes de Obras de Arte e Antiguidades, detalhando procedimentos e cuidados para prevenção da lavagem de capitais mediante a ocultação da proveniência criminosa de bens, graças à comercialização de itens e acervos artísticos.
O fiel cumprimento de tais deveres impostos ao setor surge essencial quando há investigação criminal atinente à venda e compra de objeto de arte, considerada como meio para dissimulação da origem ilegítima de patrimônio. Mais do que gerar sanções administrativas ao mercante de arte, a omissão traz dificuldades à explicação sobre os fatos circundantes ao negócio jurídico realizado, o que dificulta a defesa penal.
Em palavras simples, a aura de que o mercado de arte serve aos fins do crime de lavagem de dinheiro deveria acarretar maior preocupação de seus agentes com as regras de compliance. Afinal, o descaso com deveres administrativos acaba por transmutar o comerciante de arte em suspeito, ou acusado de crime.
Longe do problema individual, cada novo caso de lavagem de dinheiro prejudica essa promissora área da economia nacional, em detrimento da exportação de nossa cultura e da riqueza que esta pode trazer ao país.
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