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A fatal desorganização do Estado - Gazeta Mercantil - p. A-3 - 25.05.2006

Crime organizado não é único causador da insegurança pública.


Os deploráveis episódios recentes protagonizados pelo crime organizado em São Paulo serviram para mostrar a reiteração de erros antigos tanto na percepção dos problemas quanto nas soluções apresentadas para a segurança pública. Observa-se que os governantes não conhecem a distinção entre crime organizado e crime de massa, ou preferem responsabilizar o crime organizado como único causador da ausência da paz pública. Tratam, assim, como verdade absoluta a suposição de que o PCC seria o inimigo número um no combate ao crime, imputando ao grupo todos os delitos praticados naquela fatídica ocasião. Outra vez o Estado aproveita-se do mito do crime organizado para disfarçar seu descaso com o planejamento da atividade policial e o constante desrespeito à lei no campo da execução penal.


Com a artimanha de jogar o foco no PCC, quer-se oferecer à população o culpado pelos males que sofre o grande centro urbano a partir de uma lógica cujo objetivo, distante da realidade, se volta a encontrar no poder da organização criminosa a causa artificial para tantos crimes de furto, roubo, extorsão mediante sequestro e homicídio, que são crimes de massa, vale esclarecer. Desse modo, com a indicação do crime organizado como responsável pelos nossos medos, repete-se a mesmíssima fórmula: o Legislativo elabora projetos com aumento de penas, diminuição de direitos no processo penal e maiores restrições aos presos. O Executivo, por sua vez, libera os policiais para a vingança, autorizando, de forma tácita, as investigações ilegais e os julgamentos de rua, nos quais a pena capital se aplica sob argumento de que teria havido reação do "suspeito".


O Judiciário sente-se o guardião da sociedade e passa a decidir contra os réus, em desconformidade com a lei e com o conteúdo dos processos-crime, como se tal exacerbação punitiva trouxesse justiça. Nessa euforia, a imprensa mescla a indignação quanto aos crimes com o enaltecimento de determinados criminosos, colaborando com a tática estatal de enxergar no poder da organização criminosa a fonte de toda a insegurança pública. Sem subestimar o PCC, faz-se necessário obter-se mais dados concretos antes de superdimensioná-Io. Ninguém pode aceitar esse jogo de empurra dos governos, por meio do qual se quer ocultar a manifesta negligência com o sistema penal.


Ao abandonar as polícias, no tocante a investimentos e à profissionalização do policial, dever-se-ia ter imaginado que delegacias de polícia sem computador não cruzariam informações a respeito de pessoas investigadas.

Ainda, ao encarar as prisões como porões esquecidos, era possível prever que alguém poderia vir a ofertar aos presos e respectivas famílias algum alento em troca de dinheiro e benevolências. Deixar de lado a noção de política criminal em favor de estratégias populistas de discurso, desconsiderando a necessidade de coordenação entre governo federal, estados e municípios, é um grande equívoco, inconfessado por nossos representantes. Enquanto segurança pública for assunto de palanque, onde o orador só consegue expor as falhas dos outros, sem assumir frente à população determinada estratégia, teremos de engolir mentiras em lugar de discutir fatos objetivos e soluções. Os inéditos e deploráveis episódios recentes ocorridos em São Paulo, tumultuando o ritmo da cidade e trazendo medo à população, poderiam ser exorcizados de tantos mitos e ser tratados como ponto de partida para reflexão séria quanto à política criminal, questão de interesse nacional. kicker: O Estado serve-se do mito para encobrir seu descaso com a atividade policial e o desrespeito à lei quanto à execução penal.

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