O tempo passa e erros antigos se repetem na Justiça Penal. Há muitas razões, mas uma das maiores é a tibieza da academia, no mundo do Direito. Os alunos acabam convencidos que reducionismos se exibem o melhor caminho para o aprendizado. Aí, embaralham conceitos, misturam métodos e fazem analogias, até mesmo em detrimento do direito positivo.
O processo penal, do ponto de vista dogmático, apresenta-se a matéria que mais sofreu com esse viés da preguiça intelectual. Embora nossa tradição jurídica, desde João Mendes Junior no século XIX, fosse de interpretar o processo penal a contar da Constituição, a teoria geral do processo prevaleceu entre os incultos, os quais importam ideias do processo civil, a todo tempo.
Esse erro grave de perspectiva traz consequências sérias à liberdade jurídica dos indivíduos, pois, magistrados interpretam os direitos constitucionais, como se o processo penal não se mostrasse, na essência, o instrumento de proteção às pessoas perante o Estado. De forma torta, usam das concepções sobre pretensão, lide e partes como se aplicáveis a relação jurídica e procedimento voltados à busca da verdade factual e à aplicação estrita da lei penal.
Tudo isso seria apenas divergência doutrinária, se os alunos mal formados não houvessem galgado importantes cargos no poder judiciário e não repetissem tais falácias nos julgamentos a propalar enganos e a causar injustiças.
O melhor exemplo dessa extrapolação indevida de entendimento do processo civil ao processo penal encontra-se no processo cautelar. Com a utilização das expressões fumus boni iuris e periculum in mora, renomeadas de fumus comissi delicti e periculum libertatis, alguns querem motivar prisão cautelar, não obstante o dever de fundamentar (art. 5º, LXI, da CR c.c. art. 315, do CPP) e as diversas limitações à espécie (art. 312, do CPP) trazidas pelo legislador (e.g., art. 282 e 319, do CPP).
A leitura da Lei Maior e da legislação processual penal, em especial, depois das reformas recentes, não deixa margem à dúvida. Ninguém pode ser preso por fumaça do direito, mas tão só quando há prova da materialidade do crime e indícios – sempre no ADVOCACIA HJ. | N. 006 | JUN. 2021 20 SUMÁRIO plural, indícios! – da autoria. E, a prisão cautelar será decretada somente nos restritos limites das situações típicas indicadas, demonstrado o perigo concreto de se manter o investigado, ou acusado, solto (art. 312, do CPP).
Em palavras claras, no direito brasileiro, a regra se mostra a liberdade, a prisão cautelar constitui-se exceção que depende de situações fáticas especificas e de expressa previsão legal. Não há ius puniendi, mas poder-dever de punir fundado na legalidade estrita (art. 5º, XXXIX, da CR e art. 2º., do CP).
Quem quiser alcançar a certeza de que as matérias, processo civil e processo penal, não se misturam pode eliminar do vocabulário o poder geral de cautela na persecução penal. Juiz penal não cria limitações à liberdade, nem ao patrimônio - existem somente aquelas previstas em lei (art. 5º, caput, II, LIV, LXV, da CR).
Nesse sentido, caracteriza-se absurdo a invenção de medidas cautelares diversas da prisão. O artigo 319, do Código de Processo Penal, ostenta-se preciso, ao assentar quais são as medidas que substituem a prisão cautelar, nas hipóteses legais (art. 282, do CPP). Pela natureza de normas processuais de índole material, que atingem direitos individuais, portanto, não se autoriza que magistrado crie imposições à liberdade de ir e vir, ou a outro direito, não tipificadas na lei.
Também, no âmbito das medidas assecuratórias no processo penal, veda-se ao juiz penal limitar o patrimônio, fora do sequestro, do arresto e da hipoteca legal (art. 125 e seguintes, do CPP). Inaplicável, assim, a generalização “outra medida idônea para asseguração do direito” (art. 301, do CPC) quando se está a tratar deste direito individual (art. 5º, caput, c.c. art. 170, II, ambos da CR).
O jovem advogado pode acabar esta leitura cético, ao refletir sobre decisões atuais de Ministros do Supremo Tribunal Federal que vão de encontro ao aqui deduzido. Não se sinta assim, basta reler a Constituição para o retorno da paz de espírito. Algumas vezes, a Alta Corte também pratica inconstitucionalidades. Lembre dos velhos defensores, os quais, com humor, repetiam: “O STF corrige os erros alheios, porém, perpetua os próprios”.
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