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Criar função do juiz de garantias é aprimorar proteção do indivíduo

A experiência mostrou na Comarca de São Paulo as vantagens de se formar um grupo de juízes, com competência para controlar a legalidade de inquéritos policiais e atos da polícia judiciária. Depois de tantos anos, parece difícil contestar a importância de se ter um juiz criminal dedicado a resolver questões inerentes ao inquérito policial, bem como a conferir isonomia na relação entre acusação e defesa desde o início das investigações criminais.


O magistrado está ali para examinar, a todo tempo, a aplicação das provisões legais atinentes ao procedimento investigatório voltado a apurar materialidade e autoria delitivas. Cumpre a ele determinar, a pedido do Delegado de Polícia, do Ministério Público, ou do defensor, eventuais medidas cautelares que importem ao esclarecimento da verdade e à proteção do suspeito, ou investigado, ou mesmo da vítima.


Tal papel de legitimador do procedimento investigativo inclui os poderes necessários para relaxar a prisão em flagrante, determinar a fiança e converter a prisão provisória em medida cautelar diversa. Atua, portanto, em cuidadosa preservação da liberdade jurídica do indivíduo, a afastar abusos na persecução penal.


Até aqui, parece se reafirmarem algumas obviedades para aqueles que militam na Justiça Penal. Todavia, cumpre se sugerirem novas razões para se expandir a outros Estados e à Justiça Federal a figura do juiz de garantias, questão aberta até aqui na reforma pontual do Código de Processo Penal.

Dois aspectos novos indicam a necessidade de separar o juiz penal, competente para o inquérito policial, daquele com competência para ação penal.


De um lado, o juiz penal que determina busca e apreensão, intercepção telefônica, bem como medidas cautelares restritivas ao ir e vir cria vínculo com a forma como conduzidas tais providências no inquérito policial, assim como com o conteúdo probatório por elas trazido. Tem pouca capacidade de revisar os erros cometidos quando tais são levados a debate na instrução criminal e, não raro, atribui excessiva credibilidade aos resultados da investigação criminal em que atuou, o que tende a retirar a eficácia do artigo 135, do Código de Processo Penal.


Vê-se, portanto, que o juiz penal - envolvido em demasia com as investigações na primeira fase da persecução penal - acaba por perder a imparcialidade, pois não julga a ação penal com a equidistância necessária do Ministério Público, nem com a isenção de espírito imprescindível para o exame da prova.


De outro lado, há a questão da colaboração processual, introduzida pela lei 12.850/13. Em realidade, a constitucionalidade desse novo instituto alicerça-se no reconhecimento de se tratar o negócio jurídico processual como ato intrínseco ao exercício da ampla defesa. O indivíduo e seu defensor técnico optam por barganhar com o acusador público, com o fim de reduzir as consequências penais e processuais penais, inerentes ao enfrentamento do processo judicial até o respectivo trânsito em julgado da sentença condenatória.


Ora, a guarda de documentos, bem assim dos anexos com nomes de possíveis envolvidos e dados factuais, confessados e descritos pelo colaborador, deveria ser de juiz penal, até mesmo para a proteção do sigilo das informações e acervo probatório. Não bastasse, no curso da negociação do acordo de delação premiada, acusador público e defensor poderiam dirimir com juiz imparcial questões formais inerentes ao procedimento, bem como resolver problemas quanto a cautelares anteriores ao pré-acordo de colaboração processual. Além disso, ao magistrado caberia impulsionar a realização do acordo, com o fim de preservar o procedimento de delação premiada de dilações indevidas, da demora de Ministério Público e defesa técnica.

Deixar tudo a cargo do titular da ação penal, sem controle jurisdicional simultâneo ao evoluir do procedimento de colaboração premiada, tira a harmonia da relação bilateral entre acusação e indivíduo envolvido com a persecutiocriminis, o qual pode, por exemplo, estar a sofrer com as falhas de seu defensor, sem que ninguém possa lhe proteger. Pode-se argumentar que juiz penal pode negar-se a homologar o acordo entabulado entre Ministério Público e defesa, mas difícil acreditar na capacidade de ele vir a conhecer como se deu a negociação, aonde ocorreu o equívoco da defesa, a arbitrariedade ou a ilegalidade.


A natureza pública do procedimento de colaboração processual, inserto na ampla defesa, exige a inafastabilidade da atuação de juiz de direito, apto a proteger o indivíduo em todas as fases de desenvolvimento do acordo. Como se isolar do andamento da negociação o juiz penal que decretou a prisão cautelar do investigado? E se o acordo fracassar por falha de Procurador da República, ou Promotor de Justiça, quem se submeteu ao procedimento de colaboração processual não tem direito público subjetivo a celebrar o acordo de colaboração por determinação judicial, caso reconhecida a falha?


Não se permite ao jurista oferecer respostas simplistas para questões tão atuais e complexas, como também não se devem engessar as reflexões frente a novos problemas. Instituir a função do juiz de garantias na primeira fase da persecução penal significa aprimorar a proteção do indivíduo, bem assim conferir maior controle da legalidade estrita na investigação criminal. Em tempos de delação premiada, significa oferecer equilíbrio de forças na negociação, sem perigos para a imparcialidade na jurisdição.

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